A lei brasileira exige que, em certas situações, os beneficiários finais de
determinadas empresas sejam identificados e informados às autoridades
competentes, tal como ocorre com relação à Receita Federal do Brasil, cuja
Instrução Normativa nº 2.119/2022 exige que essas figuras sejam identificadas para
fins de regularidade dos Cadastros Nacionais de Pessoas Jurídicas (CNPJ) de
empresas estrangeiras (art. 53 e seguintes).
No que se refere às instituições financeiras nacionais, alguma obrigação similar seria aplicável? Respondendo desde já que sim, o presente texto visa esclarecer (i) o que o Banco Central do Brasil (BACEN) entende por beneficiário final e, assim, (ii) quais os passos que uma instituição financeira deve percorrer para identificá-lo.
Tendo em vista a prevenção à lavagem de dinheiro, financiamento ao terrorismo e proliferação de armas (PLD/FTP), o BACEN emitiu a Circular nº 3.978/2020, pela qual estabeleceu diretrizes gerais para identificação do beneficiário final para fins de PLD/FTP (nos termos do art. 25, Circular nº 3.978/2020). Quando o cliente não se enquadrar nas exceções de pessoas jurídicas que estão desobrigadas à identificação (e.g., companhias abertas), é necessária a consideração dos seguintes fatores:
(i) Patamar mínimo de participação societária do beneficiário a ser considerado para fins de sua identificação, o que deverá ser apontado pela instituição em sua Avaliação Interna de Risco (AIR); e
(ii) Exercício do controle de fato sobre as atividades da pessoa jurídica.
Para conceder maior precisão ao conceito, o BACEN lançou Guia de Prática de Supervisão (GPS) específico para o tema, no qual definiu beneficiário final como sendo “pessoa natural detentora do efetivo controle da pessoa jurídica, seja através da detenção de participação societária e/ou do comando de fato do empreendimento”. Diante de tal definição – que não havia sido fornecida tão expressamente pela norma -, destaca-se que, apesar de a análise do quadro societário ser importante, o foco na definição do beneficiário recai muito mais sobre quem (pessoa natural) controla de fato a pessoa jurídica, o que pode ocorrer de diversos modos, ainda que a participação societária detida por tal controlador seja relativamente pequena ou mesmo inexistente.
Com isso em mente, e tendo em vista a obrigação regulatória acima mencionada, a simples análise do percentual detido no capital social se apresenta como mais um – mas não único – método para cumprimento de tal dever regulatório.
Identificar quem exerce o controle de fato passa pelas diligências práticas a serem realizadas pela instituição financeira. Nesse sentido, a partir do GPS do BACEN sobre beneficiários finais, os seguintes pontos devem ser levados em consideração pela instituição:
(i) Procuradores, representantes e prepostos (não apenas sócios) podem ser considerados controladores, ainda que não estejam no quadro societário. Novamente, a instituição deve focar em descobrir quem exerce o controle de fato, até mesmo para que não se deixe enganar o uso de “laranjas”;
(ii) A verificação do beneficiário pode ser realizada mediante consulta em base de dados pública ou privada, ou mediante informações fornecidas pelo cliente; e
(iii) O fornecimento de informações pelo cliente não exime a instituição de verificar – preferencialmente por meios e fontes distintas daquelas com base nas quais o cliente compartilhou suas informações – a integridade dos dados fornecidos.
Apesar do que foi dito acima, ainda cabe perguntar: como é possível montar um plano de ação a ser utilizado, em geral, para a identificação de beneficiários finais?
Sintetizando as discussões acima, os agentes de mercado regulados deverão se atentar para os elementos mínimos a seguir, de modo a melhor cumprir com a regulação de PLD/FTP:
Passo 1: Prever, na AIR, valores mínimos de referência para a identificação de beneficiário final, os quais (a) não poderão ser superiores a 25%, (b) deverão considerar o grau de risco e (c) devem ser justificados e previstos no Manual de Conheça seu Cliente (Know Your Client – KYC), conforme entendimento exposto pelo GPS do BACEN sobre o tema;
Passo 2: Verificar, no caso concreto, se o cliente se enquadra em alguma das exceções à obrigatoriedade de identificação do beneficiário final previstas na norma;
Passo 3: Identificar o beneficiário final do cliente, assim entendida a pessoa natural que exerce o controle de fato da pessoa jurídica, o que deverá ser feito a partir das informações e documentos fornecidos pelos clientes e das bases de dados, públicas ou privadas, existentes; e
Passo 4: Validar as informações fornecidas por clientes e seus representantes por todos os meios, públicos ou privados, disponíveis.
A identificação do beneficiário final é um dos principais pontos no programa de PLD/FTP de uma instituição regulada e é importante que as entidades reguladas tomem as medias proporcionais cabíveis para a sua identificação.
Texto escrito por Vinícius Napoli ([email protected])