O simples uso da internet para ofertar produtos do mercado financeiro e de capitais ao público brasileiro pode configurar uma oferta pública, o que necessitaria de prévio registro da CVM (além de necessariamente ter sua intermediação por instituição integrante do sistema de distribuição, tal qual uma corretora ou distribuidora de valores). Assim a CVM já decidiu em 2005, nos termos do Parecer de Orientação nº 32 (“Parecer 32”)[1].
No ano de 2005, a Exxon Mobil era a empresa mais valiosa do mundo, George W. Bush acabara de ser reeleito como presidente dos EUA e o 1º iPhone ainda não havia sido lançado (o que ocorreu em 2007). Muitas pessoas ainda liam jornais e revistas na forma impressa e tinham acesso a informações de companhias listadas a partir de materiais e prospectos físicos. Se muita coisa mudou desde então, tivemos pouca (ou nenhuma) atualização regulatória no que se refere à caracterização de uma oferta como pública (ou privada).
Por conta disso, na prática pairam muitas dúvidas quanto aos limites para uma instituição estrangeira ter, de alguma forma, canais que recebam o público investidor brasileiro, considerando aqueles que tenham proativamente e por conta própria decidido abrir uma conta para investir fora do Brasil (sem terem sido impactados por qualquer esforço de venda de um intermediário estrangeiro).
Há uma grande zona cinzenta e interpretativa em relação ao que caracteriza uma oferta como pública. Não é à toa que de tempos em tempos a CVM siga emitindo em sua página stop orders a instituições estrangeiras, por entender que seus sites visam a captar brasileiros, sem as devidas autorizações para tanto.
O regulador orienta as instituições estrangeiras a realizar medidas preventivas objetivando a descaracterização da oferta pela internet como pública, dentre as quais, por exemplo:
- a existência de restrições, para impedir que o público em geral tenha acesso ao conteúdo da página (ex: acesso apenas mediante login e senha previamente cadastrados);
- inexistência de divulgação da página ao público por meio de correio eletrônico não solicitado, em mecanismos de busca, salas de discussão, por propaganda em páginas na Internet etc.; e
- existência de indicação direta ou indireta, mas suficientemente clara, de que a página não foi criada para o público em geral.
Em 2022, a CVM editou o Parecer de Orientação nº 40[2] (“Parecer 40”), o qual reforçou a orientação acima (proveniente do Parecer 32), bem como que outras medidas podem ser levadas em consideração a partir de uma análise de cada caso concreto, tais como o número de investidores alcançados, além de sugerir que há inúmeras ferramentas disponíveis para barrar o acesso da página ao público brasileiro (a exemplo de mecanismos de “geoblocking”).
Ainda, o Parecer 40 asseverou que a utilização de meios de comunicação “destinados a atingir o público em geral residente no Brasil” é um critério relevante para a verificação de oferta pública irregular, bem como a existência de texto para atrair investidores residentes no Brasil (ainda que em idioma estrangeiro). Vale notar que a utilização de língua portuguesa na oferta e no suporte ao cliente pode vir a ser considerada suficiente para caracterizar oferta pública ou intermediação de operações com valores mobiliários emitidos no exterior, inclusive derivativos.
Dadas as complexidades e nuances do tema, uma avaliação do material online de cada instituição estrangeira, ainda que não opere no Brasil, é fundamental para a sua adequação regulatória às leis e regulamentações brasileiras, visando a mitigar o risco da emissão de uma stop order pela CVM, o que pode gerar – no mínimo – considerável dano reputacional.
A equipe do Dufloth Caovilla Legal Partners fica à disposição para qualquer assessoria sobre o tema.
Rodrigo Dufloth / Renato Caovilla
rodrigo@dclegalpartners.com / renato@dclegalpartners.com
[1] Disponível em: https://conteudo.cvm.gov.br/export/sites/cvm/legislacao/pareceres-orientacao/anexos/pare032.pdf. Acesso em: 30/01/2024.
[2] Disponível em: https://conteudo.cvm.gov.br/export/sites/cvm/legislacao/pareceres-orientacao/anexos/Pare040.pdf. Acesso em 30/01/2024.